domingo, 16 de agosto de 2009

Ouça seu corpo e corra bem melhor


Muito se fala da tecnologia como um aliado poderoso para o alcance das boas marcas nas corridas de fundo. De fato, a evolução do material esportivo, desde os calçados e vestimentas, até o piso das pistas de atletismo, passando pelos recursos nutricionais e cronômetros de alta precisão, contribuiu para que novos limites do esforço físico e psicológico fossem estabelecidos pelo homem.
Na década de 20 do século passado, o treinador Pikhala, do fenomenal Paavo Nurmi, o "Finlandês Voador", detentor de inúmeros recordes nas distâncias dos 1.500 até 10.000 m, disse, na ocasião em que seu pupilo estabeleceu o recorde para os 5.000 m, em 14:20: Para qualquer atleta, é humanamente impossível correr essa distância abaixo desse tempo; é o limite do homem.
Os tempos passaram e a profecia de Pikhala foi-se com ele. Atualmente, os 5.000 m são percorridos pelos melhores atletas do mundo abaixo dos 13 minutos! Uma evolução fantástica que se deve em muito à tecnologia e à metodologia científica do treinamento esportivo.
Entretanto, avessos aos aparatos tecnológicos da atualidade, ao qual me incluo, muitos corredores procuram se orientar de um modo distinto, porém seguro e eficaz. Trata-se de um conhecimento que se adquire com a observação atenta dos sinais do corpo: é a percepção subjetiva do esforço (PSE).
A PSE nada mais significa do que saber "ouvir" o seu corpo, os sinais que ele envia antes, durante e após a corrida, seja no treino ou na competição. Pela PSE, o corredor terá noções exatas do comportamento do seu organismo, o que ele é capaz de fazer naquele instante e o que ele não conseguirá realizar, mesmo que em outro momento já tenha feito.
DIAS SENSACIONAIS, DIAS TERRÍVEIS. Como exemplo disso, todo corredor experiente sabe que "há dias e dias" para treinar e competir. Em alguns, estamos bem, corremos leves e soltos, com vigor e energia, verdadeiros cavalos árabes rasgando o horizonte! Nos sentimos livres, donos do mundo, senhores de si! Entretanto, em algumas situações, falta o vigor e a energia, e o desânimo é tanto que sair da cama para treinar já é uma tortura! Mas como, se dois ou três dias atrás voávamos baixo e tudo era possível?
Algumas respostas dessas questões, que podem ser de naturezas diversas, são obtidas pelo aparato tecnológico, como os monitores cardíacos de última geração, os exames laboratoriais complexos e outras parafernálias igualmente úteis. Mas e quem não tem acesso a isso? Como fica? Não corre? Não treina? Não compete?
É aí que entra a PSE, ou seja, o conhecimento do corpo. Todo corredor que se preze tem que conhecer o seu organismo, os sinais que ele emite em determinadas situações de estresse físico e emocional que é proporcionado pela corrida. Esses sinais são simples e fáceis de serem percebidos pelo corredor, bastando apenas saber interpretá-los para evitar situações desagradáveis.
BATIMENTOS PELA MANHÃ. Após os treinos, os corredores também podem adotar medidas que estejam em conformidade com o método da PSE. Por exemplo, depois de treinos intensos ou longos, o organismo poderá requerer alguns dias extras de descanso. Para saber se você se encontra apto ao um novo treinamento, verifique a freqüência cardíaca basal, isto é, as batidas do coração logo ao despertar, sem ainda ter levantado da cama. Se houver uma diferença acima de 5 batimentos em relação aos dias "normais", pode ser um indício de que seu organismo ainda não está pronto para uma próxima sessão de treino duro, seja em duração ou intensidade. O ideal nesse dia é realizar um treino leve, suave e alongamentos.
Para saber se há diferença na freqüência cardíaca basal, o corredor deve adquirir o hábito de verificar sempre as batidas do coração antes e após os treinos, e também ao despertar. É simples: pela verificação dos batimentos no pulso ou na veia carótida (na base do pescoço), o corredor deve contar as pulsações durante 10 segundos e multiplicar por seis. Esse é o resultado de sua freqüência cardíaca durante um minuto. O coração adaptado ao esforço de resistência apresenta 40 a 60 batimentos por minuto em repouso em corredores de nível recreativo, mesmo sendo competitivos.
A freqüência cardíaca também pode mostrar ao corredor o quanto ele se encontra treinado, simplesmente verificando os batimentos imediatamente no final do esforço e um minuto após. Um organismo bem condicionado apresenta uma redução substancial dos batimentos em pouquíssimo tempo após o esforço. Por exemplo, se logo após o exercício os batimentos estavam em 160, um minuto após o mesmo já terá baixado para 100-120. Se nesse prazo de um minuto o coração ainda estiver acelerado e a respiração ofegante, é um fato que a corrida foi algo além da capacidade, seja pela falta de condicionamento ou pela estratégia equivocada.
DORES MUSCULARES. As dores musculares também são indícios de que o treinamento provocou alterações significativas na estrutura e função muscular. Principalmente as dores de efeito tardio, que surgem entre 24-48 h após a corrida. O corredor deve ficar atento a elas, pois nesse momento os músculos se encontram frágeis, ainda em processo de reconstrução, e o que ele necessita é de descanso e treinos regenerativos.
É durante o sono, principalmente, e após as refeições balanceadas, que os músculos se refazem das agressões do treinamento; portanto, o descanso, a alimentação e o trabalho regenerativo são tão importantes quanto o exercício físico intenso e duradouro. São partes que compõem o todo desse maravilhoso processo biológico e educativo que é o treinamento esportivo.
Portanto, a PSE pode ser de grande utilidade aos corredores, dispensando muitos equipamentos que, além do alto custo de aquisição, desestimulam que o indivíduo saiba reconhecer os sinais do seu organismo. O conhecimento do próprio corpo e seu funcionamento é algo que deve ser buscado de modo consciente pelos corredores.
O bom corredor, além de correr, deve saber pensar, tomar decisões e agir de modo seguro e eficaz, sempre confiando em sua capacidade intuitiva, em sua PSE e não apenas ser um dependente dos modismos da tecnologia.
AS RESPOSTAS DO NOSSO ORGANISMO: APRENDA A DIAGNOSTICAR SEU NÍVEL DE ESFORÇO
1) Respiração ofegante, porém, sem desconforto muscular: Indica que o corredor está em seu limiar anaeróbio, ou seja, correndo em um ritmo moderado, às vezes intenso, porém confortável; continuar nessa balada, entretanto, dependerá da sua capacidade de resistência e do seu nível de treinamento que determinarão a duração máxima em que esse esforço poderá ser sustentado. É o ritmo típico do maratonista competitivo.
2) Respiração ofegante e desconforto muscular, porém, sem "queimações" ou enrijecimento dos músculos: Sinal de que o corredor ultrapassou o seu limiar anaeróbio e está produzindo uma quantidade de lactato ( subproduto da quebra da glicose, uma substância química contraproducente para o corredor) no limite ou acima da capacidade de remoção pelos músculos. O ritmo está forte, intenso, e o momento de parar está próximo. Situação característico dos corredores de 5-10 km.
3) Respiração ofegante, sensação de "queimação" e enrijecimento muscular: É o aviso de que a corrida chegou ao fim, o ritmo extrapolou a duração prevista. O corredor foi além do que podia para o seu condicionamento e o seu organismo o fez parar, antes que desfalecesse.

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